A Acessibilidade Web é um Direito Humano Fundamental

A Acessibilidade Web é fundamental para que as pessoas com deficiência vivam de modo independente e participem plenamente em todos os aspetos da vida.
A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência estipula que se deve promover a Acessibilidade "Para permitir às pessoas com deficiência viverem de modo independente e participarem plenamente em todos os aspetos da vida...".
A mesma convenção aborda as medidas apropriadas que os Estados devem tomar para assegurar a acessibilidade, identificando e eliminando obstáculos e barreiras com o objetivo de “promover o acesso às pessoas com deficiência a novas tecnologias e sistemas de informação e comunicação, incluindo a Internet”.
Contudo, apesar de se falar muito em acessibilidade e inclusão das pessoas com deficiência, a realidade demonstra que há um longo caminho a percorrer.
Segundo o estudo do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH/ISCSP-ULisboa) "Pessoas com Deficiência em Portugal – Indicadores de Direitos Humanos 2023", 62,3% das pessoas com deficiência enfrentariam risco de pobreza no ano de 2022 se não fosse pelo auxílio de prestações sociais.
Esta situação deve-se à dificuldade que as pessoas com deficiência encontram em obter rendimentos no mercado de trabalho. Os obstáculos que encontram no acesso à informação e a produtos de apoio criam barreiras na obtenção de uma maior qualificação, que potenciaria a obtenção de uma atividade profissional qualificada e uma melhor qualidade de vida.
Tudo se torna mais preocupante quando sabemos que a Internet é a maior fonte de informação e que o não cumprimento generalizado dos critérios de acessibilidade/usabilidade web aumenta significativamente a desigualdade no acesso a recursos e a serviços online.
Dada a importância que a Internet cada vez mais tem na vida das pessoas, a Acessibilidade Web está diretamente ligada à não discriminação, ao acesso à justiça, à educação e ao trabalho.
A Acessibilidade Web é um Direito Humano Fundamental para todas as pessoas, com ou sem deficiência.
Qual o impacto da falta de Acessibilidade Web?

Na realidade a falta de Acessibilidade Web afeta todas as pessoas, com ou sem deficiência, com ou sem incapacidade.
Se para algumas pessoas o mundo digital é fácil e natural, para outras pessoas requer adaptação e uma curva de aprendizagem maior, independentemente de terem ou não algum tipo de deficiência.
Também temos de levar em conta que qualquer um de nós pode experienciar uma ou mais incapacidades ao longo da vida, por vezes até mesmo ao longo do dia. Basta estarmos cansados para termos dificuldades de leitura e concentração.
Quando os sites são acessíveis, são simples, fáceis e rápidos de utilizar, todos podemos aceder aos conteúdos e realizar tarefas de forma célere e eficaz.
Quando os sites não são acessíveis, afetam aspetos muito relevantes da nossa vida diária, especialmente tendo em conta as pessoas com incapacidade:
- No acesso ao emprego: A falta de acessibilidade das plataformas digitais das empresas pode colocar obstáculos às pessoas com deficiência na realização das suas funções, ficando impedidas de aceder a um posto de trabalho. A falta de acessibilidade do site de uma empresa ou instituição pública pode até impedir a pessoa com deficiência de se candidatar a um emprego.
- No acesso ao comércio e aos serviços: Quer seja para fazer compras online ou deslocar-se a um estabelecimento, é necessário remover os obstáculos que impedem que os utilizadores dos sites tenham acesso à informação completa dos produtos/serviços não permitindo a concretização de uma compra devido à falta de adaptação a pessoas com deficiência. Assim, devemos ter em conta que quando as pessoas com deficiência ficam impedidas de aceder a serviços online, têm de recorrer a terceiros para conseguir concretizar o acesso à informação ou até deslocar-se fisicamente.
- Na gestão e controle financeiro: Se as plataformas online do bancos e instituições financeiras não forem acessíveis podem impedir as pessoas com deficiência de aceder ao seu saldo, realizar transferências ou efetuar pagamentos. É muito constrangedor para a pessoa com deficiência ter de divulgar a sua senha de acesso e/ou informações sobre a sua situação financeira para que terceiros a consigam apoiar na obtenção de determinada informação ou até efetuar um pagamento específico. Acresce o fato de que a dificuldade de aceder ao site de um banco para realizar determinada operação, pode obrigar a pessoa com deficiência a deslocar-se fisicamente a um balcão.
- No ensino: Se o site de uma escola ou instituição de ensino não for acessível, pode impedir pais ou alunos com deficiência de aceder aos horários, carregar cartões de refeição, realizar inscrições, consultar as notas ou obter informações relevantes.
- No acesso ao conhecimento: Se um estudante ou profissional com deficiência não conseguir aceder aos conteúdos de um site com informação relevante para um trabalho escolar, profissional ou simplesmente para aumentar o seu conhecimento em determinada área, sente-se discriminado, pois fica impedido de obter conhecimento.
- No acesso à comunicação, cultura e Lazer: Aceder às redes sociais e a conteúdos multimédia como música, vídeo e imagem tornam-se cada vez mais atividades relevantes no nosso dia a dia. Por exemplo, através da Internet uma pessoa cega tem a possibilidade de obter um maior acesso à cultura, à comunicação e à socialização. A falta de acessibilidade web potencia o seu isolamento e impede-as por vezes de acederem a conteúdos que potenciam o seu bem estar, como a música e o vídeo. É assim fundamental que as plataformas de comunicação e multimédia sejam acessíveis a todos os utilizadores.
Num mundo onde cada vez mais as atividades diárias são transferidas do mundo real para o mundo digital, há que avaliar o impacto negativo que a falta de acessibilidade web tem para todos.
O não cumprimento dos critérios de acessibilidade web tem assim um impacto muito significativo e abrangente, principalmente se tivermos em conta o elevado número de pessoas com incapacidade em Portugal e no Mundo.
Caracterização das pessoas com incapacidade (Censos 2021)

- 10,9% da população residente em Portugal com 5 ou mais anos tem pelo menos uma incapacidade (1 085 472 pessoas);
- Esta condição afeta principalmente as mulheres, obtendo-se um rácio de feminilidade de 164 mulheres com incapacidade por cada 100 homens com incapacidade;
- A prevalência da incapacidade aumenta com o avanço da idade, de forma progressiva, sobretudo a partir dos 70-74 anos;
- O nível de escolaridade completado pela maior parte da população com incapacidade era o ensino básico (64,7% considerando a população com incapacidade e com 15 ou mais anos);
- A probabilidade de estar ativo e a probabilidade de estar empregado são inferiores quando existe pelo menos uma incapacidade;
- A incapacidade em andar ou subir degraus é a mais prevalente e afeta 6,1% da população com 5 ou mais anos;
- 3,5% são afetados pela incapacidade em ver, 3,4% pela incapacidade de cognição/memória, e 2,8% em ouvir;
- 3,0% têm dificuldade em tomar banho ou vestir-se sem apoio e 1,5% em compreender os outros ou fazer-se compreender;
- A incapacidade em ver é a que afeta relativamente menos o emprego das pessoas com incapacidade (20,0% estavam ativas e 17,5% estavam empregadas à data dos Censos 2021)
- A incapacidade de mobilidade é a mais penalizadora (apenas 7,9% das pessoas com incapacidade estavam ativas e 7,1% empregadas);
- 8,0% da população com 5 ou mais anos e incapacidade vive em alojamentos coletivos, uma proporção bastante superior à observada para a população em geral com 5 ou mais anos (1,5%);
- A população com 15 ou mais anos com incapacidade que se desloca para trabalhar ou estudar representa apenas 3,2% do total da população que o faz e 13,3% do total da população com 15 ou mais anos com incapacidade.
Quais as dificuldades que as pessoas com deficiência sentem na Internet?

Divulgamos algumas das maiores dificuldades sentidas por pessoas com deficiência quando pretendem aceder aos conteúdos de um site:
- Dificuldade a ler os conteúdos devido ao tipo de letra, tamanho ou espaçamento do texto, prejudicando todos os utilizadores, em especial as pessoas com baixa visão, dislexia ou idosas;
- Não conseguir ler o texto ou visualizar os elementos clicáveis devido à falta de contraste da letra, dos elementos clicáveis ou dos gráficos com o fundo das áreas de informação, prejudicando todos os utilizadores, em especial as pessoas com baixa visão, dislexia ou idosas;
- Imagens sem descrição, que não permitem às pessoas cegas conhecer o seu conteúdo informativo através dos seus leitores de ecrã ou linhas Braille;
- Dificuldade ao navegar por teclado, quando não pode utilizar um rato ou touchpad porque possui deficiência ou uma incapacidade temporária, devido à falta de realce dos elementos clicáveis quando recebem o foco do teclado ou porque existem funcionalidades que não permitem ser acionadas por esta via;
- Excesso de informação, gráficos e funcionalidades que não permitem ao utilizador concentrar-se na secção de texto relevante, prejudicando todos os utilizadores, em especial as pessoas com neurodivergências, como o autismo, TDAH e a dislexia;
- Textos, gráficos e slideshows dinâmicos com tempo de leitura curto ou que mudam de forma inesperada, prejudicando todos os utilizadores, em especial as pessoas com neurodivergências, com baixa visão ou idosas;
- Preenchimento de formulários mal estruturados: devido à falta de enquadramento dos campos de preenchimento e não associação das etiquetas que identificam os elementos de formulário com as caixas de edição, as pessoas cegas ficam sem saber em que contexto se encontram, qual a informação solicitada e onde a colocar.
Qual o caminho a percorrer para uma Internet mais inclusiva?

Começa nas famílias e nas escolas, a acessibilidade e a inclusão devem ser abordadas, de forma natural, como um aspeto essencial da nossa sociedade.
Uma criança que aprenda que a empatia é fundamental para o bem estar de todas as pessoas, vai ser um profissional mais preparado e inclusivo. Da mesma forma, um aluno que compreenda desde cedo que um documento de texto deve ser elaborado com letra sem serifa de tamanho bem legível e cor contrastante, quando estiver no mundo profissional vai usar com naturalidade uma prática inclusiva.
Começa em cada um de nós, quando escrevemos um texto, enviamos um simples email ou criamos conteúdos de forma empática. Mas também quando sensibilizamos os outros para seguirem boas práticas e quando abordamos construtivamente os responsáveis de empresas e instituições para os sensibilizar para a importância de disponibilizarem sites acessíveis.
"... é uma gota de água no oceano: mas se o não fizéssemos, se não deitássemos no oceano essa gota, ao oceano faltaria algo, faltar-lhe-ia essa gota."
(Madre Teresa de Calcutá)
"O poder da web está na sua universalidade"
(Tim Berners-Lee - O criador da World Wide Web)